A Polícia Federal conseguiu mais uma prova de que o ex-diretor da
área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró era o dono de uma
offshore uruguaia que movimentou milhões de reais para comprar e
reformar o seu apartamento na Zona Sul do Rio de Janeiro. Em depoimento
prestado na última quarta-feira, o advogado Marcelo Mello confirmou a
negociata revelada por VEJA em setembro do ano passado.
Mello conhece Cerveró de longa data. O advogado tem no currículo uma
passagem pelo departamento jurídico da Braspetro, antiga subsidiária da
Petrobras, mais tarde incorporada pela área internacional da estatal, na
qual Cerveró deu as cartas entre 2003 e 2008. Ao delegado Eduardo Mauat
da Silva, Mello contou que foi procurado há sete anos por Cerveró e
pelo advogado uruguaio Oscar Raquetti para montar uma subsidiária
brasileira da Jolmey Sociedad Anonima. Desde o ano passado, Cerveró
negava qualquer participação na criação da offshore, mas a partir de 21
de janeiro preferiu se calar diante de e-mails publicados por VEJA. Nas
mensagens, era evidente que o ex-diretor internacional dava as cartas na
Jolmey.
Mello confirmou que Cerveró “tratou pessoalmente do assunto” e
combinou a aquisição de um duplex pela offshore. O enredo da aquisição
contemplava várias operações nebulosas. A Jolmey comprou o apartamento
e, três meses depois, um contrato de locação foi firmado com Patrícia,
mulher de Cerveró. Uma evidência de que o aluguel pago por Cerveró era
de fachada é que o valor fechado foi de 3.500 reais; hoje, um executivo
da Vale que vive no local paga 18.000 reais.
No ano passado, assim que começaram a estourar os escândalos na
estatal, um laranja foi nomeado sócio da Jolmey e a família deixou o
duplex. Um conjunto de e-mails que está em poder da PF e divulgado por
VEJA revela que Cerveró sempre mentiu ao falar da offshore. Em 18 de
agosto, os representantes do Estudio Algorta, o escritório de advocacia
uruguaio que articulou a criação da offshore, receberam uma mensagem
enviada por Cerveró informando quem seria o seu representante no Brasil.
Por que razão Cerveró mandaria essa mensagem se não fosse o dono da
Jolmey? Três meses depois a minuta de compra e venda do imóvel passou
pelo fax da BR Distribuidora, onde estava empregado na época. Ou seja,
Cerveró monitorou de perto a compra do apartamento em que diz ter morado
de aluguel entre 2009 e 2014.
Trocava e-mails com a tranquilidade de
quem desfrutaria uma impunidade eterna.
Há mensagens que escancaram ainda mais a sua relação com a Jolmey.
Uma delas, escrita em 2010 por Bruno Fonseca, da equipe do advogado
Marcelo Mello, pede o agendamento de uma reunião com Cerveró para que “a
melhor estratégia seja tomada para mitigar o risco de exposição fiscal
do cliente”. Na ocasião, a Jolmey estava com a declaração do imposto de
renda pendente e poderia acabar caindo na malha fina do Leão. No e-mail,
o ex-diretor é citado sem subterfúgios por Fonseca como o “dono da
Jolmey”.
Em 2012, outra correspondência mostra que Cerveró chegou a ser
consultado sobre a abertura de uma conta da Jolmey no Santander.
Mensagens sobre o dia a dia da offshore eram trocadas entre advogados e a
equipe do Estudio Algorta quase sempre tendo Cerveró copiado. VEJA
apurou ainda que, depois da compra do apartamento, a Jolmey pagou cerca
de 750 000 reais em uma reforma no imóvel de Cerveró.
Os recursos vieram
de uma conta da offshore no Unibanco que chegou a ter saldo de 2
milhões de reais em dezembro de 2008. Em dezembro passado, VEJA esteve
com Cerveró no escritório do seu advogado criminalista, Edson Ribeiro. O
ex-diretor reconheceu as mensagens, mas negou qualquer relação com a
offshore.
Outro elo com o Uruguai está sendo investigado pela PF. Na delação
premiada do executivo Julio Camargo, da Toyo Setal, é descrito com
detalhes o pagamento de propinas na contratação de duas sondas da
Samsung. Os sul-coreanos, segundo Camargo, estavam pagando “comissões”
cobradas por Cerveró.
Camargo disse à Justiça que repassou o dinheiro a
Fernando Soares, o Baiano, apontado como operador do esquema em favor do
PMDB. O suborno relativo à sonda, de acordo com Camargo, foi de 15
milhões de dólares, pagos no banco Winterbotham, no Uruguai. A polícia
investiga se os recursos foram divididos com Cerveró.