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No ápice da mais recente crise entre Congresso e STF, o ministro da Justiça prefere manter distância. Não significa que José Eduardo Cardozo seja um homem sem opinião. Principalmente quando o assunto é a redução da maioridade penal: "Sou contra. Quem achar que, com uma varinha mágica, vai resolver a questão da criminalidade, está escondendo da sociedade os reais problemas que a afligem". A afirmação vem justamente no momento em que a Câmara discute mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente - entre elas a proposta do governador Geraldo Alckmin de ampliar de três para oito anos o prazo de internação de menores infratores. "Qualquer tentativa de redução da maioridade penal é inconstitucional", afirma. A criminalidade, ressalta, não tem respostas simplistas.
 
O paulistano, que completou 54 anos no último dia 18, passou o aniversário em Brasileia, no Acre. Acompanhava os trabalhos de força-tarefa montada para receber a massa de imigrantes haitianos que chegam ilegalmente à cidade por meio dos chamados "coiotes". "É um ministério que vai da toga à tanga", brinca.
 
Na militância política desde os tempos do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da PUC, Cardozo tinha 28 anos quando assumiu o primeiro cargo público, como secretário de governo da então prefeita de São Paulo Luiza Erundina. De lá para cá, perdeu a privacidade. Supermercado e cinema? Só com seguranças. Nos poucos momentos em que está só, vai para o piano. Ou mergulha na leitura. Hoje, em sua cabeceira, repousa El Hombre que Amaba a los Perros, do cubano Leonardo Padura. "Isso me relaxa."
 
A seguir, os principais trechos da entrevista.
 
O Brasil voltou a discutir a redução da maioridade penal. O senhor é a favor?
 
Tenho uma posição consolidada há muitos anos: sou contra a redução da maioridade penal. A Constituição prevê inimputabilidade penal até os 18 anos de idade. É um direito consagrado e uma cláusula pétrea da Constituição do Brasil. Nem mesmo uma emenda pode mudar isso. Qualquer tentativa de redução é inconstitucional. Essa é uma discussão descabida do ponto de vista jurídico. No mérito, também sou contra. Mesmo que pudesse, seria contra. Diante da situação carcerária que temos no Brasil, a redução da maioridade penal só vai agravar o problema.
 
Por quê?
 
Porque nossos presídios são verdadeiras escolas de criminalidade. Muitas vezes, pessoas entram nos presídios por terem cometido delitos de pequeno potencial ofensivo e, pelas condições carcerárias, acabam ingressando em grandes organizações criminosas. Porque, para sobreviver, é preciso entrar no crime organizado.
 
Não há o que fazer?
 
Temos de melhorar nosso sistema prisional. Reduzir a maioridade penal significa negar a possibilidade de dar um tratamento melhor para um adolescente. Vai favorecer as organizações criminosas e criar piores condições. Boa parte da violência no Brasil, hoje, tem a ver com essas organizações que comandam o crime de dentro dos presídios. Quem não quer perceber isso é alienado da realidade. Quem quer encontrar outras explicações para os fatos ignora que, nos presídios brasileiros, existem os grandes comandos de criminalidade. Criar condições para que um jovem vá para esses locais, independentemente do delito cometido, é favorecer o crescimento dessa criminalidade e dessas organizações. É uma política equivocada e que trará efeitos colaterais gravíssimos.
 
E qual é a solução?
 
Desenvolver políticas em diversos campos. A criminalidade não tem respostas simplistas. Quem achar que, com uma varinha mágica, com um projeto de lei, vai resolver o problema da criminalidade, está escondendo da sociedade os reais problemas que a afligem. Por que existe a criminalidade? Há vários fatores. A exclusão social e a impunidade são dois deles. Três: é preciso combater os grupos de extermínio. Quatro: o crime organizado se enfrenta com coragem e determinação, não com subterfúgios. O governo federal tem desenvolvido programas em todas essas áreas. Mas é uma luta difícil e que tem de ser discutida com profundidade, sem políticas cosméticas.
 
Há uma briga entre o Legislativo e o Judiciário?
 
Não tenho por hábito, desde que assumi o ministério, comentar situações que dizem respeito a outros poderes - embora tenha opinião sobre elas.
 
A política brasileira de vistos para haitianos foi alvo de críticas internacionais. Como o senhor recebeu essas críticas?
São infundadas. Nosso objetivo não é barrar os haitianos. Temos uma tradição de acolhimento e respeito aos direitos dos imigrantes, especialmente em situações humanitárias como a do Haiti. Queremos incentivar a entrada legal no País - o que permite ter controle de fronteiras, respeitar a lei, combater as máfias e evitar que criminosos entrem pela mesma porta que os haitianos. Estamos discutindo acabar com o teto dos cem vistos emitidos por mês em Porto Príncipe. A perspectiva de haitianos virem ao Brasil é maior do que isso. Também vamos criar outros postos de atendimento.
 
O Brasil está preparado para garantir a segurança durante a visita do papa Francisco e a Copa das Confederações?
 
Estamos trabalhando em ritmo bastante acelerado e preparados, sim, para esses dois eventos. Temos a ação da Secretaria de Grandes Eventos trabalhando juntamente com os estados que vão receber a Copa das Confederações e, em especial com o Rio de Janeiro, que receberá a visita do papa Francisco. Esse trabalho está integrado com as Forças Armadas. Será um aprendizado para a Copa e para a Olimpíada. Quanto mais um país cresce e se apresenta para o mundo, mais aumentam os desafios e a responsabilidade de quem governa. Nenhum de nós, hoje, tem o direito de errar.
 
A PF tem autonomia para investigar qualquer pessoa?
 
A PF tem total autonomia para cumprir seu papel e sua missão constitucional. Ela atua de acordo com a Constituição e as leis, sem interferência política. Ela pode investigar quem quer que seja, desde que o faça nos termos da lei e em cumprimento a ordens judiciais.
 
O senhor foi consultado sobre a investigação e a quebra de sigilo do ex-assessor de Lula?
 
Não fui, não sou e não devo ser consultado. As autoridades policiais têm competência para presidir os inquéritos e propor as medidas cabíveis. O ministro da Justiça só deve intervir nos casos em que perceba algum abuso ou desvio.
 
Como está o processo para a substituição do ministro Ayres Britto no Supremo?
 
A vaga no STF está em aberto, e a presidenta Dilma está refletindo. Temos muitos bons nomes. Grandes juristas homens e grandes juristas mulheres que podem ser nomeados para esse cargo. Com certeza, a presidenta escolherá a melhor alternativa. Ela costuma refletir bastante em relação a essas questões. Não é uma escolha fácil, é uma escolha que tem de ser feita de maneira bastante amadurecida, porque se trata de um cargo vitalício.
 
Seu nome já foi citado como possível nome do PT ao governo de São Paulo. O senhor é candidato à vaga?
Não, de jeito nenhum. Meu partido tem excelentes nomes, que podem desempenhar esse papel com brilho e com possibilidade de vitória no estado de São Paulo. Nomes como Aloizio Mercadante, Alexandre Padilha, Marta Suplicy, Guido Mantega têm totais condições de serem objeto de apreciação partidária. Vou me ocupar do meu papel aqui no Ministério da Justiça, onde já tenho muito trabalho. Pode ter toda a certeza disso.
 
Qual o maior problema da vida pública?
 
É a perda absoluta da privacidade. Temos de andar permanentemente com seguranças. Esse é um lado bastante doloroso. Sinto falta de sair pela rua sem ninguém me seguindo, de ir ao supermercado sem ter um segurança atrás de mim. Ir ao cinema sem ninguém perceber que estou lá. Nas raras vezes em que consigo fazer isso sozinho, me sinto uma pessoa livre (risos).
 
Já se acostumou a ser mandado por uma mulher?
 
Eu sempre fui mandado por mulheres. Isso é uma característica da minha vida profissional. Não vou dizer pessoal, porque seria demais (risos). No meu primeiro emprego, como estagiário da Prefeitura de São Paulo, fui comandado por uma mulher. Quando comecei a dar aulas na universidade, fui assistente da professora Silvia Pimentel. Fui trabalhar na Câmara paulistana como assessor de uma vereadora mulher. Depois disso, fui secretário da primeira mulher prefeita de São Paulo, Luiza Erundina. Quando fui presidente da Câmara, a prefeita era a Marta Suplicy. E, agora, sou comandado pela primeira presidente mulher. Eu sou um homem permanentemente, profissionalmente, comandado por mulheres.
 
Por Jean Ganso,com PB Vale
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