São João, Carnaval, Ano Novo. Para a  maioria dos brasileiros, é época de se divertir. E, para uma minoria de  gente desonesta, época também de desviar dinheiro público. Prefeitos de  cidades muito pobres do Nordeste são acusados de promover eventos  superfaturados e botar no bolso mais de R$ 60 milhões, que deveriam ser  usados pra beneficiar a população.
Uma rua de terra leva a uma empresa  milionária. No papel, JC Produções é uma experiente firma de eventos.  Nos últimos três anos, venceu 231 concorrências de prefeituras. Faturou  R$ 3 milhões.
Também no papel, a sede é a casa da  Joelma e do Seu Jorge. “Nenhuma empresa de eventos. Só essa casinha  aqui, a casa do meu pai”, ela conta.
O endereço deles foi usado para montar  uma das empresas fantasmas envolvidas em um esquema milionário de desvio  de dinheiro público. Ao todo, 27 pessoas foram presas. A quadrilha agia  em 30 cidades paraibanas e em mais três estados do Nordeste.
No grupo havia até prefeitos: Francisco de Assis Melo, de Solânea, João Clemente Neto, de Sapé, e Renato Mendes, de Alhandra.
O esquema foi desvendado pelo Ministério  Público da Paraíba e pela Polícia Federal. O foco da quadrilha era o  dinheiro de festas populares, como Carnaval e São João. Os prefeitos  envolvidos tinham uma missão: fraudar contratos para que empresas de  amigos conseguissem os serviços.
“Era uma mulher, era um filho, um  sobrinho, um conhecido. Essas empresas é que disputavam entre si”,  explica Oswaldo Trigueiro, procurador-geral de Justiça da Paraíba.
Na prática, estas empresas só existiam  no papel. O endereço de todas era falso. Segundo o Ministério Público,  prefeitos e empresários se uniam para combinar o valor do desvio.  “Quanto é a banda? A banda é R$ 30 mil, então vamos cobrar R$ 150 mil”,  diz Oswaldo Trigueiro.
Algumas firmas vencedoras pareciam nem  conhecer os serviços que forneciam. Chegaram a confundir autorização  para soltar fogos com um documento que solta presos.
Empresário 1: Pergunta se esse cara tem alvará de soltura. Pode ser que o cabra tenha.
Empresário 2: Está certo.
Empresário 1: Eu não sei que alvará é esse, não. Deve ser de soltar fogos, não?
A Polícia Federal e o Ministério Público encontraram provas do envolvimento dos três prefeitos citados nas investigações.
Em Solânea, o filho do prefeito  participava diretamente das contratações e negociava uma margem de  lucro, que ficava com ele mesmo, segundo os promotores.
Vinícius Melo: “Assim, eu me surpreendi  com o cachê, entendeu? Me surpreendi mesmo. E tem como a gente remanejar  um pouquinho pra mais, pra ficar uma sobrinha a mais. Porque ele diz  que ainda dá 10%”.
Em Sapé, a polícia diz ter encontrado provas de que o pagamento para as empresas de eventos ficava com o próprio prefeito.
“O pagamento era feito ao empresário,  mas o empresário imediatamente remetia esse cheque ao prefeito”, diz o  procurador-geral de Justiça da Paraíba.
A primeira dama de Sapé também lucrou  com a festa de São João deste ano. Segundo os promotores, era ela quem  vendia os camarotes montados em uma praça, em local publico. Só que o  dinheiro nunca foi parar na prefeitura. Foi direto para o bolso dela.
Empresário: O camarote em cima, qual o número dele?
Helena Rafaela: O último é o 12.
Empresário: É R$ 2 mil?
Helena Rafaela: R$ 2 mil.
Helena Rafaela: O último é o 12.
Empresário: É R$ 2 mil?
Helena Rafaela: R$ 2 mil.
Pelo menos 40 camarotes foram negociados  dessa forma pela primeira-dama, segundo os promotores. “Tinha até  prefeito construindo casa de alto padrão, o que não era compatível com  seu vencimento, com seu salário”, destaca Marcelo Diniz Cordeiro,  superintendente da Polícia Federal da Paraíba.
Em Alhandra, o patrimônio do prefeito  chamou a atenção da polícia. Renato Mendes declara possuir R$ 189 mil em  bens. Mas as investigações mostram que ele tem carros importados e uma  casa avaliada em R$ 1,5 milhão em um condomínio de luxo de João Pessoa,  capital paraibana.
De acordo com as investigações, Renato  também emprestava um cartão da prefeitura a uma amiga, ela tinha  liberdade pra gastar o quanto quisesse.
Amiga: Quanto que eu posso gastar nesse cartão?
Renato Mendes: Veja aí o que você precisa e quanto é que dá e ligue pra mim.
Amiga: Mas é mais de R$ 5 mil? Não?
Renato: Pode ser.
Renato Mendes: Veja aí o que você precisa e quanto é que dá e ligue pra mim.
Amiga: Mas é mais de R$ 5 mil? Não?
Renato: Pode ser.
Os bens de todos os prefeitos envolvidos  estão bloqueados pela Justiça. O esquema funcionava havia pelos menos  quatro anos. Quanto mais a quadrilha atuava, mais festas aconteciam.
“A gente tem alguns eventos que são  sempre muito fortes, o São João, final de ano, Carnaval, mas fora isso,  começou a se ter Paixão de Cristo. Pra tudo se era pretexto pra se fazer  um evento”, aponta Oswaldo Tigueiro.
Festa demais para municípios tão pobres,  segundo o Ministério Público. O índice de desenvolvimento humano de  Alhandra, Sapé e Solânea está entre os piores do país. Foi justamente  nesta região que os empresários criaram empresas fantasmas e conseguiram  desviar R$ 65 milhões, dinheiro de municípios, estado e governo  federal.
A empresa que mais recebeu dinheiro de  prefeituras da Paraíba levou R$ 14,5 milhões. O imóvel está alugado. “É  um quartinho, mas é grandinho. Tem três repartições, tem um banheiro,  tem um murinho, tem tudo. Isso aí ele pagou R$ 80 por mês”, afirmou o  dono do local, Antonio Miguel da Silva.
Todos os investigados ganharam o direito  de responder em liberdade. O Fantástico procurou os prefeitos acusados.  O único que nos atendeu foi João Clemente Neto, de Sapé, que segundo a  polícia, ficava com os cheques que deveriam ir para as empresas de  eventos.
“O único cheque que tem é o cheque que  pagamos, ou iríamos pagar a própria empresa. Os despachos que fazemos,  como qualquer outro despacho que eu faço dentro da prefeitura, fora da  prefeitura. Mandaram o processo para mim, para que pudesse assinar pra  entregar”, ele declara.
Ele também negou que a esposa ficasse  com dinheiro da venda de camarotes. Os outros dois prefeitos  investigados falaram por meio de advogados. Um deles diz que não houve  irregularidades em Solânea, onde o filho do prefeito pedia uma  “sobrinha”.
“O filho sempre ajudou e sempre ajudará o  pai. As provas do processo demonstram que o prefeito cumpriu todas as  normas que tratam sobre o processo licitatório”, defende Marcos Souto  Maior Filho, advogado do prefeito de Soânea.
Edísio Souto, advogado de Renato Mendes,  também negou os desvios. “Nós vamos provar que o patrimônio do prefeito  é absolutamente compatível à sua renda de prefeito, até porque é  prefeito há sete anos e meio. Em hipótese nenhuma ele pegou dinheiro da  prefeitura e bancou essa amiga, aluguel de carro ou cartão de crédito”.
O Ministério Público Estadual pediu o afastamento dos três prefeitos, o que ainda não foi julgado.
Até o fim do processo, eles não  receberão repasses do governo federal, o Ministério do Turismo, que  financiou parte das festas das cidades investigadas, disse que novos  recursos estão suspensos. Além disso, os prefeitos podem ser obrigados a  devolver o dinheiro que, segundo a investigação, foi desviado.
“A lei diz que são criminosos, e, assim, eles devem ser confrontados”, avalia o superintendente da Polícia Federal da Paraíba.
Por Jean Ganso, com PortalMidia.net 
