O arquiteto Oscar Niemeyer, ícone da
arquitetura moderna e um dos brasileiros mais reconhecidos no mundo,
morreu nesta quarta-feira (5), aos 104 anos. Ele estava internado há
33 dias no Hospital Samaritano, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro,
por causa de uma infecção urinária. Ele também teve uma infecção
respiratória e respirava com a ajuda de aparelhos.
Niemeyer foi um dos principais expoentes
da arquitetura moderna e projetou o Brasil internacionalmente. O
carioca ganhou reconhecimento a partir da exploração das possibilidades
plásticas e construtivas do concreto armado, produzindo obras grandiosas
e inventivas, marcadas pelo abuso de curvas em detrimento das linhas e
ângulos retos.
Suas obras –prédios públicos e privados,
monumentos, esculturas e igrejas– marcam a paisagem das principais
cidades brasileiras e espalham-se por vários países do mundo, como
Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Itália, Argélia, Israel
e Cuba, entre outros.
Niemeyer projetou grande parte das obras
de Brasília, entre elas a praça dos Três Poderes, os prédios do
Congresso Nacional, do STF (Supremo Tribunal Federal) e o Palácio do
Planalto.
Em São Paulo, projetou o Memorial da
América Latina, o edifício Copan e as construções do Parque do
Ibirapuera; no Rio, concebeu o Museu de Arte Contemporânea de Niterói e a
Marquês de Sapucaí; em Belo Horizonte, projetou todo o Conjunto
Arquitetônico da Pampulha.
O arquiteto desenhou também esculturas e
mobílias, escreveu livros e, depois do centenário, lançou até um disco
de samba. Marxista convicto, militou no PCB (Partido Comunista
Brasileiro) durante várias décadas, mudou-se para a França durante a
ditadura militar e manteve amizade com Luís Carlos Prestes e Fidel
Castro.
Juventude e começo da carreira
Niemeyer nasce em 15 de dezembro de 1907
no Rio, filho de Oscar Niemeyer Soares e Delfina Ribeiro da Almeida.
Sua família tinha ascendência portuguesa, árabe e alemã. Cresceu no
bairro de Laranjeiras, onde se casou com Annita Baldo em 1928.
Em 1929, iniciou os estudos na Escola
Nacional de Belas Artes, dirigida pelo também arquiteto Lucio Costa, com
quem Niemeyer começou a trabalhar em 1932.
“Gostava de desenhar, e o desenho
levou-me à arquitetura. Lembro-me que ficava com o dedo no ar
desenhando. Minha mãe perguntava: ‘o que está fazendo menino?’
‘Desenhando’, respondia com a maior naturalidade. Realmente, fazia
formas no espaço, formas que guardava de memória, corrigia e ampliava,
como se as tivesse mesmo a desenhar”, afirmou o arquiteto, em declaração
publicada na página do Instituto Oscar Niemeyer.
Em 1934, obteve diploma de engenheiro e
arquiteto. Dois anos depois, conheceu o arquiteto modernista Le
Corbusier. A obra do francês o influenciou de forma decisiva.
Viajou aos Estados Unidos em 1938 e elaborou o projeto do Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York.
Em 1945, ingressou no PCB e iniciou sua
amizade com Prestes, a quem na velhice ajudaria a sustentar. “Fui sempre
um revoltado. Da família católica eu esquecera os velhos preconceitos, e
o mundo parecia-me injusto, inaceitável. A miséria a se multiplicar
como se fosse coisa natural e aceitável. Entrei para o Partido Comunista
abraçado pelo pensamento de Marx.”
Regressou a Nova York em 1947, onde
participou, ao lado de arquitetos do mundo todo, do projeto da sede da
ONU (Organização das Nações Unidas).
Em 1950, foi publicada a obra “The Work
of Oscar Niemeyer” (“O Trabalho de Oscar Niemeyer”), do arquiteto e
historiador grego Stamo Papadaki, que ajudou a divulgar o arquitetura de
Niemeyer no exterior.
Em 1954, fez sua primeira viagem à Europa, onde conheceu França, Itália, Alemanha, República Tcheca e a União Soviética.
No ano seguinte, fundou a revista
“Módulo”, que circulou, em edições mensais, até 1965, quando sua
publicação foi interrompida pelo governo militar –a revista foi retomada
em 1975 e editada até 1987.
Brasília e golpe militar
Em 1956, Niemeyer foi convidado pelo
presidente e amigo Juscelino Kubitschek para projetar a nova capital do
país e organizar o concurso para a escolha do plano piloto, vencido por
Lucio Costa. Dois anos depois, Niemeyer mudou-se para Brasília.
“E ali ficamos durante vários anos.
Longe de tudo. Cobertos dessa poeira vermelha que durante os períodos de
seca se incrustava na pele e, na estação das chuvas, paralisados pelas
águas torrenciais que caíam sem controle sobre essa terra sem defesa.”
Em 1962, foi nomeado coordenador da
Escola de Arquitetura da recém-fundada UnB (Universidade de Brasília),
após convite do reitor Darcy Ribeiro. No ano seguinte, ganhou o Prêmio
Lênin da Paz, concedido pela União Soviética.
Em 1964, quando estava em Lisboa,
recebeu a notícia do golpe que instaurou a ditadura militar. Retornou ao
país no final do ano, após passagem por Israel. “Levei um grande susto
com a notícia do golpe. Durante três dias, não descolava o ouvido do
rádio, na expectativa de uma boa notícia qualquer. Nada se passava e nós
estávamos aflitos, temendo um novo período de opressão e obscurantismo.
Foi em abril de 1964”, recordou Niemeyer.
Em 1965, demitiu-se da UnB assim
como outros 200 professores, em protesto contra a influência militar na
universidade. Na época, a sede da revista “Módulo” foi parcialmente
destruída, e o escritório de Niemeyer, saqueado.
Vida no exterior
No ano seguinte, Niemeyer viajou a Paris
para acompanhar exposição da sua obra no Museu do Louvre. Dois anos
depois, impedido de trabalhar no Brasil e depois de os militares
embargarem seu projeto para o aeroporto de Brasília, mudou-se para a
capital francesa.
Em 1968, mudou-se para a Argélia para
dedicar-se a vários projetos, a convite do presidente do Conselho
Revolucionário Argelino, Houari Boumediène, líder da independência do
país. Quatro anos depois, Niemeyer voltou a Paris, abrindo um escritório
na famosa avenida Champs-Élysées.
No ano de 1975, publicou, em Milão, na
Itália, seu primeiro livro (“Oscar Niemeyer”), que traz uma
retrospectiva de sua obra e trajetória. Em 1978, de volta ao Brasil,
participou da fundação e foi eleito presidente do Cebrade (Centro Brasil
Democrático). Em 1988, recebeu o Prêmio Pritzker de arquitetura, e, no
ano seguinte, foi condecorado na Espanha com o prêmio Príncipe de
Astúrias.
Na década de 90, Niemeyer foi premiado
com a medalha do Colégio de Arquitetos de Catalunha (em 90), com o
Prêmio Leão de Ouro da Bienal de Veneza (em 96) e com a tradicional
Royal Gold Medal (em 98), concedida pelo Instituto Real dos Arquitetos
Britânicos. No mesmo ano, publicou um livro de memórias: “As Curvas do
Tempo”. Em 1999, lançou sua primeira obra de ficção, “Diante do Nada”.
Últimos anos
A mulher do arquiteto, Annita, morreu em 2004; dois anos depois, Niemeyer casou-se com Vera Lúcia, que era sua secretária.
Em 2007, ao completar cem anos de idade,
Niemeyer recebeu diversas homenagens e foi tema de muitas exposições
e eventos. No ano seguinte, fundou no Rio a revista “Nosso Caminho”.
Dois anos depois, aventurou-se no mundo da música, com o disco de samba
de raiz “Tranquilo com a Vida”, gravado em parceria com seu enfermeiro
Caio Almeida e com o músico Edu Krieger.
Também em 2008 foi inaugurada uma
escultura do brasileiro em homenagem ao povo cubano na Universidade de
Ciências Informáticas de Havana; um presente de Niemeyer ao líder Fidel
Castro.
Em 25 de março de 2011 foi inaugurado em Avilés, na Espanha, o Centro Cultural Oscar Niemeyer, mas o espaço foi fechado nove meses depois, por determinação do governador da província. O fechamento irritou Niemeyer e provocou protestos na cidade.
No dia 8 de fevereiro de 2012, em sua
última grande aparição em público, o arquiteto acompanhou a inauguração
do sambódromo do Rio, que havia passado por reformas de ampliação e
adequação da obra ao projeto original.
Na ocasião, Niemeyer foi aplaudido por
operários da obra e agradeceu: “Estou muito feliz. Essa obra não é só
minha, é do grupo que trabalha comigo. Estou muito contente e
entusiasmado em ver um trabalho como esse, que foi feito para alegrar o
povo.”
Niemeyer deixa uma filha netos, bisnetos e trinetos. Sua filha, Anna Maria, morreu em junho, aos 82 anos, por complicações decorrentes de um enfisema pulmonar.
Do Uol