Uma caixa de madeira revestida em cor laranja, apoiada sobre um
tripé. Uma lente fotográfica em uma das suas extremidades, na outra uma
espécie de saco, de pano preto, cobrindo a abertura. É com esse
equipamento, conhecido como máquina-caixote, que Everaldo Gomes
Rodrigues garantiu o seu sustento como fotógrafo lambe-lambe, há mais de
três décadas, no Centro de João Pessoa.
O cenário é o mesmo para
Rodrigues há 35 anos e comum aos demais fotógrafos ambulantes, que desde
as primeiras décadas do século 20 ocupam praças e parques, onde
registram em fotografias momentos especiais familiares e principalmente
retratos, tipo 3x4, para documentos. Lambe-lambe foi uma denominação
dada a esses profissionais que lambiam a placa de vidro para saber qual
era o lado da emulsão usada no processo de revelação. Outra versão
contada é que se lambia a chapa para fixá-la.
O antigo ofício de
fotógrafo lambe-lambe divide espaço na praça Aristides Lobo, com o poeta
Manoel José de Lima, que ficou popularmente conhecido como 'Caixa
d'Água' – eternizado em uma estátua de bronze; com a sede do Comando
Geral da Polícia Militar, uma das edificações históricas da capital
paraibana; e com imensas árvores centenárias, que estão naquele local
bem antes da chegada de Rodrigues e do seu equipamento.
O
instrumento foi comprado há 55 anos, tempo suficiente para o fotógrafo
não se lembrar quanto lhe custou. "Eu sei que era dinheiro velho, faz
tantos anos que estou esquecido", conta saudosista.
Além das
lembranças, os anos também foram vencidos pela tecnologia e Rodrigues,
embora reticente, teve que se render aos poucos à modernidade . Há 15
anos substituiu a máquina-caixote.
"Eu uso apenas para marcar o ponto",
revela baixinho, como se contasse um segredo. Atualmente, para
fotografar os clientes mais apressados, usa uma pequena máquina digital
de seis megapixels.
Mesmo assim, não dispensa seus truques para manter o
encanto do lambe-lambe. A máquina digital foi acoplada dentro do
caixote e, de lá, registra as imagens.
Ele explica que a
máquina-caixote está funcionando perfeitamente, mas lamenta por não
poder usá-la pela falta do material para revelar as fotografias. “A
tecnologia mudou, mas a máquina está em ordem, em perfeito estado,
funcionando bem, mas não tem material suficiente. Essa máquina tem 55
anos, mas tá boa toda”, diz satisfeito por ter preservado seu ganha-pão e
uma fatia da própria história da fotografia.
Mesmo com todos os
fios de cabelos já brancos e os sinais da idade revelados em seu rosto,
Rodrigues preferiu esconder quantos anos possui. "Estou na casa dos 70",
deixou escapar.
Mesmo com a máquina-caixote em perfeito estado, o fotógrafo se rendeu à digital |
Pela
lente do caixote, o fotógrafo lambe-lambe já capturou a imagem de
inúmeros clientes. Segundo ele, um número muito superior ao dos que
conseguiu registrar com sua máquina digital. "A procura era maior,
quando o retrato era preto e branco; a gente tinha mais clientes. Tinha
dia que o cabra não tinha nem tempo de almoçar. Agora não. Agora são
cinco clientes, quatro por dia. Às vezes tira 'no zero' também”, relata
Rodrigues, afirmando que consegue apurar, por mês, em média R$ 300.
Mesmo
com o movimento fraco, ele explica por que o lambe-lambe resiste. “É
porque nós aqui somos muito conhecidos", disse. Ele recorda com
entusiasmo do auge da fotografia em preto em branco, em que dividia o
espaço da pequena praça com a concorrência de mais 45 colegas. “Era
disputado. Agora são só dois. Muitos morreram, outros mudaram de
profissão”, diz ele apontando para a própria máquina e para do amigo,
que também está no ramo há 25 anos.
O fotógrafo garante que a máquina funciona, mas não tem material para revelação |
Além da rentabilidade, Rodrigues preferia exercer sua arte com a antiga máquina pela praticidade. "Porque a gente fazia todo serviço aqui, não ficava de lá para cá. Tínhamos aqui todo o material. Tudo era feito dentro da máquina".
Pai de oito filhos, todos criados,
Rodrigues conta que, diariamente, chega à praça às 7h30 e só vai embora
às 17h30. Há dias que volta com os bolsos vazios pela falta de clientes.
“Só paro para almoçar e para revelar as fotos, mas meu colega fica aqui
no meu lugar. Aqui a gente trabalha junto.
Quando ele vai revelar as
fotos, eu fico; quando eu vou revelar, ele fica”.
No dia 8 de
janeiro, comemora-se o Dia Nacional do Fotógrafo. Embora haja algumas
controvérsias, a origem desta data é relacionada à chegada da fotografia
no Brasil, em janeiro de 1840.
Seu Rodrigues é um desses
profissionais que não enxerga outra profissão melhor. Começou sua
carreira com o lambe-lambe, até reconhece que é vencido pela
modernidade, mas não tem pretensão de largar a fotografia. “Não vou
parar. Deus me dando saúde, se eu completar 100 anos, ainda trabalho
aqui”. Apesar da pouca demanda, Rodrigues nem pensa em outro ofício. “Eu
gosto do que faço".
Por Portal correio