O consumo de álcool por mulheres durante a gravidez pode
trazer implicações ao desenvolvimento cognitivo das crianças quando
estas estiverem em idade escolar. De acordo com uma pesquisa realizada
na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, crianças cujas
mães admitiram utilizar álcool em uma quantidade de três ou mais doses
por ocasião por mais de nove dias durante toda a gestação tiveram
pontuação média menor no teste de avaliação cognitiva a que foram
submetidas. O trabalho da psicóloga Luciana Inácia de Alcântara aponta
ainda que os meninos, filhos destas mães, apresentaram problemas
comportamentais.
O desenvolvimento cognitivo está relacionado à
abstração, atenção, linguagem receptiva, função executiva, concentração,
memorização e ao julgamento crítico. ” Mesmo em uma amostra
relativamente restrita de mães e crianças e, com dados por vezes
conflitantes em relação ao consumo de álcool durante a gestação referido
pelas mães, associações significativas, mesmo com uso leve e moderado
de álcool, foram observadas” conta a pesquisadora. O trabalho foi
orientado pelo professor Erikson Felipe Furtado.
Para a pesquisa, Luciana entrevistou pais e cuidadores
de 86 crianças entre 8 e 9 anos, cujas mães, em 2001, no terceiro
trimestre de gestação, foram questionadas sobre o consumo que faziam de
álcool. Essas mulheres frequentavam, na época, um serviço obstétrico da
rede pública no município de Ribeirão Preto.
Segundo dados do Centro Brasileiro de Informações sobre
Drogas (CEBRID) de 2005, levantados pela pesquisadora para o doutorado
Consumo de álcool na gestação e sua relação com o desenvolvimento
cognitivo dos filhos em idade escolar, 5,7% das mulheres consomem bebida
alcóolica, e um estudo publicado em 2007 pelo grupo da pesquisa em
Ribeirão Preto, chamado Programa de Ações Integradas para Prevenção e
Atenção ao Uso de Álcool e Drogas na Comunidade (PAI-PAD), aponta que
22% das mulheres fazem uso de álcool durante a gravidez.
Esse grupo desenvolve um projeto iniciado em 2001, o
Gesta-Álcool e Infanto-Álcool, sobre exposição fetal às bebidas
alcoólicas. As entrevistas iniciais que Luciana utilizou para o trabalho
são provenientes dos primeiros levantamentos deste grupo.
Testes
A avaliação cognitiva das crianças, iniciada em agosto
de 2009 e finalizada em outubro de 2010, visava estimar a capacidade de
raciocínio geral delas e foi feita por um teste individual e não-verbal,
comumente aplicado entre os 3 anos e 6 meses e 9 anos e 11 meses de
idade. Este teste utiliza a Escala de Maturidade Mental Columbia (EMMC).
No levantamento de 2001, mães e cuidadoras responderam um questionário
sobre questões sociodemográficas e sobre seu estado de saúde geral.
Neste formulário, também relatavam se faziam uso de álcool durante a
gravidez. Mais recentemente, já com esses filhos frequentando o ensino
fundamental, os pais ou cuidadores foram submetidos ao teste chamado
Child Behavior Checklist (CBCL 6-18 anos), que permite que se avalie
saúde mental de crianças por intermédio de perguntas feitas aos pais.
Síndrome Fetal do Álcool
O efeito mais severo da exposição pré-natal ao álcool já
identificado corresponde a Síndrome Fetal do Álcool, descrita
inicialmente em 1973. A síndrome consiste em anomalias no
desenvolvimento físico, comportamental e cognitivo de pessoas expostas à
bebida desde sua gestação. ” Achados clínicos incluem retardo de
crescimento pré e pós-natal, disfunção do sistema nervoso central e
dismorfias faciais” conta a pesquisadora. Entretanto nenhum caso desta
síndrome foi observado na amostra analisada.
Luciana atenta para a importância de mais estudos na
área, com mais casos de exposição e com a utilização de marcadores
biológicos, para possibilitar uma detecção precoce dos efeitos adversos
do uso do álcool na gravidez e extensão dos danos no desenvolvimento
cognitivo. Isso possibilitaria a criação de possíveis intervenções para
redução dos danos causados aos bebês e futuro adultos. ” Nossos
resultados podem ser úteis na realização de outros estudos na área de
álcool e drogas, assim como na formulação de políticas públicas de
prevenção e tratamento dos distúrbios do espectro alcoólico fetal”
finaliza.
Por Jean Ganso,Com Focando a Noticia